Se conheceram por uma fresta na parede de madeira que os separava. Ele ouviu ela chorando baixinho e, num ímpeto de solidariedade, sussurrou do lado de cá: "ei, você quer conversar?" Ela, meio sem jeito por ter sido descoberta em momento tão íntimo, consentiu. Disse meia dúzia de palavras sinceras demais, do quanto estava chateada com a vida que levava. Se espantou porque nunca tinha falado tanto de si mesma para outra pessoa.
Ele, por sua vez, compreendeu. Partilhava com ela da mesma solidão e dos mesmos dias tristes e sombrios. Passaram a noite toda conversando e só se deram conta disso quando o sol apareceu nos furinhos das telhas.
E esse foi só o primeiro dia. Desde então, passaram a trocar confidências, falar sobre o tudo e o nada, sobre as pessoas que fizeram parte de suas vidas, sobre como tinham chegado ali, sobre o que sonhavam, sobre os passos que ouviam, sobre as esperanças que tinham. Dormiam pelo cansaço de tanto conversar, mas acordavam ansiosos pelo sinal que demonstraria que o outro também havia despertado. E assim passaram semanas e meses, esquecendo que estavam sozinhos.
Pela fresta, tudo o que conseguiram ver foram detalhes dos olhos, cantos dos lábios e mechas de cabelo caídas. Por mais que um tentasse se afastar para que o outro o visse, seus espaços eram tão escuros que tudo o que conseguiam enxergar eram sombras indefinidas.
De tão próximos que ficaram, ele um dia se declarou. Revelou seus desejos mais secretos e contou seus planos. Ela, sorriu chorando do outro lado, eufórica com tanto amor correspondido. Mas de repente seu sorriso se perdeu. E ela se lembrou que palavras conseguem ultrapassar paredes. Mas, sozinhas, nem sempre são capazes de entrar num coração.
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