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segunda-feira, março 17, 2008

Só palavras

Se conheceram por uma fresta na parede de madeira que os separava. Ele ouviu ela chorando baixinho e, num ímpeto de solidariedade, sussurrou do lado de cá: "ei, você quer conversar?" Ela, meio sem jeito por ter sido descoberta em momento tão íntimo, consentiu. Disse meia dúzia de palavras sinceras demais, do quanto estava chateada com a vida que levava. Se espantou porque nunca tinha falado tanto de si mesma para outra pessoa.

Ele, por sua vez, compreendeu. Partilhava com ela da mesma solidão e dos mesmos dias tristes e sombrios. Passaram a noite toda conversando e só se deram conta disso quando o sol apareceu nos furinhos das telhas.

E esse foi só o primeiro dia. Desde então, passaram a trocar confidências, falar sobre o tudo e o nada, sobre as pessoas que fizeram parte de suas vidas, sobre como tinham chegado ali, sobre o que sonhavam, sobre os passos que ouviam, sobre as esperanças que tinham. Dormiam pelo cansaço de tanto conversar, mas acordavam ansiosos pelo sinal que demonstraria que o outro também havia despertado. E assim passaram semanas e meses, esquecendo que estavam sozinhos.

Pela fresta, tudo o que conseguiram ver foram detalhes dos olhos, cantos dos lábios e mechas de cabelo caídas. Por mais que um tentasse se afastar para que o outro o visse, seus espaços eram tão escuros que tudo o que conseguiam enxergar eram sombras indefinidas.

De tão próximos que ficaram, ele um dia se declarou. Revelou seus desejos mais secretos e contou seus planos. Ela, sorriu chorando do outro lado, eufórica com tanto amor correspondido. Mas de repente seu sorriso se perdeu. E ela se lembrou que palavras conseguem ultrapassar paredes. Mas, sozinhas, nem sempre são capazes de entrar num coração.

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