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domingo, dezembro 20, 2009

Do que o coração mais sente saudade

Ele tinha as mãos grandes e fortes. Suas sobrancelhas eram grossas e grandes, quase encostando uma na outra, o que fazia com que parecesse sempre meio ranzinza, mesmo quando estava sorrindo. Seus lábios finos se espremiam toda vez que fazia alguma piada sarcástica e enquanto ria baixinho, passava a mão pelos cabelos já meio grisalhos, sempre de trás para frente, na tentativa de esconder as duas entradas que se formavam. Ele não era um galã de novela, mas para mim sempre foi o mais bonito. Gostava de seu cheiro de graxa quando chegava do trabalho e do seu cheiro de sabonete depois que saía do banho. Seu peito era meu refúgio preferido, onde eu nunca sentia medo quando encostava a cabeça e ele, com a ponta dos dedos, brincava com meu cabelo. Ele me ensinou muitas coisas, entre elas, que não é preciso ter dinheiro para ser uma boa pessoa. E que conhecer muita gente faz bem, assim como aproveitar as coisas simples da vida como manga no pé, jogo de dominó e uma sorveteria qualquer. Ele tinha uma mente tão imaginativa quanto a minha. E quando me olhava, ele sabia se eu estava feliz ou triste. Eu sempre me denunciava com aqueles dois olhos grandes de jabuticaba fixos em mim. Ele sempre dava um beijo em mim e na minha irmã antes de viajar, fosse a hora que fosse. Ele dizia sempre “eu te amo” para mim pelo telefone. Ele gostava de cachorros. E de F1. E de mim. E eu gostava dele. Até hoje sinto falta de andar de mãos dadas com ele na rua. E sinto falta do braço forte que me abraçava. O homem da minha vida será para sempre insubstituível.

terça-feira, dezembro 01, 2009

Sentimentos

Somos seres cheios de sentidos. Originalmente cinco. Mas desconhecemos mais um infinito deles. Um sentido puxa o outro, incita o outro. E o cheiro que nos faz lembrar de algo tão passado traz uma sensação que não tem nome. A música que toca no rádio e que desperta um saudosismo imenso de dias que não poderemos viver mais faz a gente sentir coisas sem nome. E o gosto que ficou guardado não tem nome quando volta à lembrança. Assim como não tem como explicar ou definir um toque que arrepia ou um abraço que não se ganha mais. Inventaram a palavra saudade para definir uma porção de sentimentos que não têm como serem traduzidos em palavras. Mas ainda há uma porção deles anônimos. São sensações mudas e cegas, que enxergam mais do que os olhos podem ver e são tão cheias de emoção que não cabe falar. Sentimentos que nascem e morrem com a gente, os filhos dos filhos do nosso sentir. E para quê dar nome para aquilo que fica ainda mais lindo por poder ser sentido do jeito que cada um quer? Sem nome, sem padrão. Sem nome, de coração cheio. Sem nome, mas nunca sem sentido. Nem sem sentimento.

domingo, novembro 22, 2009

Despedida

Uma sala vazia. No canto mais distante, o rádio pronto para ser tocado. O piso de madeira brilhava, fazendo notar a limpeza que haviam feito. Em todo o ambiente, apenas uma janela, de frente para a rua, com curtas cortinas cor-de-rosa bem clarinho voavam com a brisa que vinha lá de fora.
A noite já ia alta. No relógio, faltavam poucos minutos para a hora marcada. O seu tic-tac era o único som que se ouvia.
Ouviram-se passos, que por um momento se detiveram na porta. Os sapatos marcaram o novo compasso até a janela. Suspiros. Olhos rasos d'água. Ficaram assim, parados, olhando o nada, por um bom tempo. O cabelo dela agora acompanhava os movimentos do tecido que emoldurava a abertura na parede. Ele olhava para baixo e volta e meia a espiava. Gostava daquele vestido verde-escuro. Lhe trazia várias boas lembranças.
Eles sabiam que depois desta noite nada mais restaria. Já não havia mais outro caminho. Ou melhor, eram os outros caminhos que agora os separavam, apesar de todo sentimento que ainda tinham.
Num gesto rápido, ela virou-se, caminhou até o rádio, tomou dois cds nas mãos. Analisou longamente cada um deles e os devolveu na mesa. Olhou para um terceiro volume. Era esse.
Tocou de leve o braço dele e o conduziu para o meio da sala. Sem dizer uma única palavra, se abraçaram, ela deixando a cabeça descansar no ombro dele, ele com os dedos envolvidos por seus cabelos. E enquanto os músicos cantavam a incerteza, os dois dançavam sua despedida... "He can't always be wrong, she can't always be right / not a matter of choice, just a matter of time / Till they know where they stand / Once they've reached the end."

domingo, novembro 08, 2009

Livre para ser

Era só o vento e mais nada. Lá de cima, ela tinha a sensação de que o mundo todo não existia e que diante de si só havia as imagens que ela mesma projetava em sua mente. Fechou os olhos para sentir melhor a sensação de liberdade. O silêncio envolvia e inebriava. Era como se pudesse ser tudo, mas ao mesmo tempo não ser nada. Não havia mais ninguém para dizer que deveria ser alguma coisa. Respirou fundo, correu meia dúzia de passos e pulou.

domingo, novembro 01, 2009

Sobre a cidade grande

A cidade que fez com que eu me recebesse de braços abertos
Que descobrisse muito mais que havia em meu olhar
Que meus sonhos não eram feitos de contos de fada
A cidade que me fez sentir o coração pulsar ao som das guitarras
Que me fez ver que nem sempre quando há sorriso há carinho
E que estar sozinho é um processo contínuo da vida
A cidade dos poucos amigos e muitos colegas
Que me ensinou que conhecer muita gente não significa ser conhecido
E que amar é um sentimento que não se destina só a uma pessoa
E que amor verdadeiro é o que temos por meia dúzia de pessoas na vida

A cidade das grandes paixões
Diversas, diferentes, inusitadas, nunca vistas
Que me ensinou que beijar não pede paixão
E que paixão pode não pedir beijo

A cidade fria tão quente
A cidade velha tão renovada
A cidade sem limites, assim, tão cheia de muralhas
Me pegou de jeito, e do melhor jeito
Aquele que me deixa ir embora quando me canso dela
Quando preciso descansar do seu desassossego
Mas que nunca me pergunta pra onde fui quando volto
Porque o importante é que só fui porque ela me preparouE só voltei porque aqui não se esquece jamais.

Sobre a saudade

Na cabeça um lugar distante, no coração uma saudade maior do que a quilometragem. As memórias vão e vêm em viagens rápidas, cruzando terras e oceanos. Tudo parece muito perto quando as emoções estão no comando.

Sobre o esquecimento

Os dias vão voltar a ser o que eram antes. Noites agitadas, semanas concorridas. O vazio vai ser preenchido com a presença de umas tantas novas pessoas. O cenário frio vai ser substituído pelas cores fortes dos novos lugares.

E o esquecimento vai chegar. Não propositadamente ou com a intenção de magoar. Só porque o que era grande, visto de longe, tornou-se pequeno. E vai chegar um momento que, de tão pequeno, nem valerá a pena lembrar.

segunda-feira, outubro 12, 2009

Todo dia é essa mesma labuta

Vou caminhando pela cidade, por esse mar de gente que vem e que vai para todo lugar, sempre com pressa, pouco ou nada vendo quem vai ao lado. Ouço no rádio que os economistas acham que a taxa de juros subirá 1,5%. Anoto mentalmente que preciso ler mais sobre o assunto, afinal, é a típica informação que vai interferir em todos os pontos do meu cotidiano, do meu trabalho às compras do mercado.

Enquanto aguardo pelo ônibus, vejo passar uma moça que leva a edição diária de um dos jornais populares gratuitos distribuídos em semáforos e terminais urbanos. Na capa, a China estampada. Época de olimpíadas, aliás, quando começam os jogos mesmo? Puxa, preciso prestar atenção nas datas e na programação para ver o que consigo assistir.

Já dentro do coletivo, mudo a estação e volto à leitura do meu livro. Essa é a vantagem de não dirigir: aproveito o tempo no trânsito para ler. No rádio, a nova música de uma das minhas bandas preferidas. O álbum foi lançado esta semana. Preciso passar numa loja de CD e ouvir as outras e, além disso, me atualizar. O que estarão fazendo todas as outras bandas que eu gosto?
Já no trabalho, um milhão de coisas novas na caixa de mensagens. Como as pessoas gostam de mandar email! Tanta coisa pra ler, muitas requerem aprofundamento teórico. Preciso procurar um curso mais específico dos assuntos que tenho tratado, para não ficar desatualizada. Preciso ler também as notícias diárias da empresa, da concorrência e do mercado. Em algumas apenas passo os olhos pelos títulos, não dá tempo de ler tudo, o telefone toca e me pede para sair da mesa, lá vou eu.

No almoço, conversas giram em torno de política. Estamos em ano eleitoral. Mais um assunto para prestar atenção, quem são os candidatos, quais as propostas, quais as campanhas malucas. Tanto diz-que-me-disse precisa ser validado, opinião todo mundo tem uma, sempre diferente. E as eleições nos Estados Unidos então? Comício mundial, disputa acirrada. Quando é que eles vão decidir mesmo?

No celular chega uma mensagem: “Cinema hoje à noite?” Me recordo que deixei o guia cultural em casa e não tive tempo nos últimos dias de me atualizar sobre o que está em cartaz. Respondo dizendo que sim e que aceito sugestão de filme, ainda bem que quem convida tem um gosto confiável.

Volto a sentir as mesmas dores musculares e de cabeça e lembro que ainda não fui ao médico. Nem ao dentista. Acho que preciso de atividades alternativas, mas até hoje não fui a nenhuma academia ver os cursos e aulas que listei caprichosamente numa folha da agenda.

Levo, pro caminho de volta, umas tantas coisas para revisar e outras para ler. Mas a dor de cabeça tomou proporções intensas e prefiro fechar os olhos e ligar o rádio novamente. Na estação, o repórter dá as últimas notícias do trânsito. Agora tem rodízio de caminhões também. E ainda estão discutindo a questão do pedágio no centro expandido. Os impactos estão sendo medidos, números, depoimentos, manifestações contra e a favor. Não estou tão por dentro do assunto, mudo, prefiro ouvir uma música. Na outra sintonia, um programa que temático explica o contexto histórico de cada canção. Como eu gostaria de entender mais de jazz. E de blues. E de outros tantos ritmos e das produções. Faço a promessa mental que vou estudar mais sobre o assunto no fim de semana.

Corro pra dentro de casa. Uma ducha rápida, mas necessária, relaxa o corpo tenso de tanta agitação. No jantar, penso que deveria me interessar mais pelo que estou comendo. Ter uma dieta equilibrada, não para emagrecer, mas para ser saudável. Eu deveria entender pelo menos um pouquinho do que cada alimento faz. Não é papo pra quando se está com fome. Na TV, o fim do jornal da noite traz notícias que nem sequer chegaram perto de mim durante o dia: seqüestros, futebol, violência no RJ, fofoca da semana e efeitos do calor excessivo em alguns lugares do mundo.

Deito com a sensação de que não sei mais nada. Nada além do que gira em torno do meu umbigo. Olho pro relógio, injusto. As horas passaram tão rápido que nem o tempo necessário de sono eu terei. Penso em procurar um curso sobre gestão do tempo. Quem sabe assim, eu economizo uns minutos e aí eu posso ler mais, saber mais, sobre esporte, educação, geografia, as guerras, as eleições, sobre entretenimento, sobre saúde, sobre política, sobre...

Zzzz

domingo, agosto 23, 2009

Brincar de ser feliz

Sentado no meio da praça o palhaço chorou. Ele estava ali parado, vendo tanta gente indo e vindo e não se vendo. Faltava cor nas roupas, nas maçãs do rosto. Sobrava pressa, faltava atenção. Procurou ansiosamente por brincadeiras nas calçadas, abriu ouvidos atrás de risadas. Encontrou o cimento vazio e escutou apenas o som do motor dos carros e das buzinas. E quando já não acreditava mais em mágica, sentiu um leve puxão na barra da calça. Dois grandes olhos de jabuticaba o fixavam, enquanto os lábios da pequena menina se abriam para perguntar:

- Moço, por que seu nariz é vermelho?

sábado, agosto 08, 2009

Mensagem aos meus amigos

Foi no banco da faculdade ou na cadeira do trabalho. Ou talvez no show dealguma banda esquisita, ou por meio de algum amigo estranho. Deve tercomeçado com um “oi”, que com o tempo e a intimidade virou “oiiiii, tudobeeem?” e aí danou-se, já estávamos envolvidos. Talvez nem tenha sido assimtão rápido, você pode não ter ido muito com a minha cara de começo, nem eucom a sua. Mas, como o destino é uma criança arteira que gosta de escondersuas meias, cá estamos nós, você e eu, partilhando coisas das nossas vidas.Você já deve saber muitas coisas de mim, assim como eu já sei muitas devocê. Devo saber seu animal preferido, ou se você não gosta de animal, ondegosta de ir, o que gosta de ouvir e se vai no cinema. Você possivelmentesabe bem que eu tenho problemas com telefones e que geralmente não ligo,que eu sofro de rabugentice e que se enfio uma ideia na cabeça... difíciltirar. Também deve saber que sou meio argentina. Ok, pode zuar. Essa é aparte onde eu sei que tipo de piada você vai fazer comigo por causa disso.Você sabe quando estou brava, eu sinto quando você está triste, ambossentimos saudades. Porque o mesmo destino arteiro trata de deixar algumaspessoas numa distância geográfica que não nos permite ver / tocar / falartodo dia. Mas ele não nos permite esquecer. Não quando é de verdade. Porquequando não é, a mente libera espaço para novas coisas e novas pessoas. Equando é pra sempre, o coração abre espaço. Espaço pra gente dividir, mesmoque seja virtualmente, só por pensamento, só de lembrança. Espaço semtempo, porque não são os dias que vão contar nossa história. É a nossahistória que conta os dias. Os dias que faltam para a gente se ver. Parater notícias. E a nossa história conta muito mais coisas: sorrisos,gargalhadas, lágrimas, abraços, noitadas. É, amigo, não tem mais jeito:ficamos um na história do outro e vai ser sempre assim. Marcados para aeternidade. Eternamente amigos.

segunda-feira, julho 20, 2009

Eu não quero ter que pedir o seu tempo. O tempo que eu quero é aquele que você quer me dar.

domingo, julho 12, 2009

Sobre a família

Uma pessoa. Chega outra. E mais uma. Várias, até que a casa fique cheia. O tom da conversa é alto e os assuntos se confundem. Muitas vozes, muitos timbres. Rádio ligado, panela no fogo. Na mesa, copos, pratos, talheres e muita comida. Acaba o suco, busca outra garrafa. O telefone toca. O celular toca. O cachorro late. As crianças gritam. Os adultos contam piadas. Alguns reclamam. O barulho da televisão se mistura aos outros. O cachorro late de novo. Os adultos reclamam mais uma vez. As crianças agora choram. Pega a sobremesa. Mais louça pra lavar. Começa a chover. Corre pra tirar a roupa do varal. O assunto agora é o tempo, mas por pouco tempo. O programa da TV traz um tema novo, que logo emenda em outro e a conversa se perde e se divide em muitas novamente. Cheiro de café vem da cozinha. Barulho de talher. Bebida quentinha. Bolinho gostoso. Açúcar. União. Família.

domingo, julho 05, 2009

Avenida Paulista

Pode tirar foto mesmo, seu moço. Este é o lugar mais encantador desta cidade. É daqui, deste pedaço, que você mais vai sentir saudade...

quarta-feira, junho 24, 2009

Homem primata

Algumas pessoas se parecem com macacos mais do que outras. E não somente por características físicas.

Por um mundo com noção

O que as pessoas realmente precisam é de noção. A paz vem como decorrência disto.

quinta-feira, junho 11, 2009

Procura-se

A única presença que restou foi do corpo
A mente já se foi, o espírito perdeu-se numa curva sem fim
Só resta ausência nessa presença
Falta de olhos emocionados, de calafrios, de calor
Sobra medo, solidão e desapego
É um mar negro que não vislumbra as brancas velas
Um vazio mudo que não sabe mais escutar
Perguntas com respostas em branco
Um baile sem música
Livro sem autor
Foi a pressa? Seria culpa da ansiedade?
Se tudo tem um propósito
Ele deve estar escrito nas entrelinhas.

quinta-feira, maio 21, 2009

Adivinhações

É como acompanhar a nova temporada da sua série de TV favorita.
Você pode correr para a tela fria da internet e adiantar tudo o que vai acontecer. Pode ser mais sagaz.
Mas quanto vale aguardar pelo dia certo, toda semana, em que as emoções vão ganhar tela cheia e que você terá a sensação de estar vendo tudo em tempo real?
Quanto vale ser bobo para sofrer a angústia, a ansiedade, a expectativa da espera?
Assim é a vida. Podemos tentar antecipar todos os próximos dias, medindo passos e palavras, e estando preparados para tudo. Mas perdemos tempo agora, economizando a surpresa da veracidade das lágrimas e dos sorrisos.
Tentar prever nos faz mais espertos. E também mais chatos.

quinta-feira, maio 07, 2009

Foi-se

Foi-se sem deixar no chão nenhuma marca
Marcou apenas a impressão do impossível
Foi-se sem falar nenhuma palavra
Disse apenas em escritos
Foi-se sem dizer adeus
Anunciou apenas sua volta
Foi-se
Mas como ficou.

domingo, maio 03, 2009

Psicopatologia da vida cotidiana

Oito andares que levam à redenção, redução dos pecados, ampliação de perdões.
Escadarias que deveriam ser trilhadas de joelhos são substituídas pela rapidez e indolor subida de uma caixa metálica
Não há nada mais agoniante que os segundos que separam o chão do oitavo andar
Porque é o choro engasgado que quer sair
Porque é em oito segundos que as lembranças de oito dias, ou de muitos anos, passam correndo pela frente dos olhos, mas sem deixar que outras pessoas as vejam
Todas as dúvidas saem, sorrateiras, dos buracos onde se escondiam
Fazem caretas, riem-se
E as mãos que deveriam afagar sufocam a voz
Tentam suprimir a porção generosa de sentimentos que vem de dentro, do poço mais profundo
Inutilmente
Porque os diferentes tons de branco e azul vão capturar os olhos
Vão raptar toda atenção
E vão abrir toda a bagagem que veio posta nos ombros
É quando os oitos multiplicam-se
Por seis, por sete
Para acalentarem desalentos
Arrebatarem os arrependimentos
Arrefecerem as emoções
Deixe o cheque na mesa quando sair

terça-feira, abril 28, 2009

terça-feira, abril 21, 2009

segunda-feira, abril 13, 2009

Milagres

Deixei de acreditar em milagres depois que passei a levar a vida mais a sério e a acreditar que se consegue tudo erguendo a voz e impondo a opinião.
Não me estranha que não tenha me acontecido nenhum depois disso.
Só o coração os identifica.

domingo, abril 12, 2009

Paredes vazias

Conhecimento empilhado, empoeirado
Retido na memória, registrado em folhas finas de papel
Cada dia mais coisa a saber
Mais edições para ler
Noticiários para ver
Temas nacionais para debater
E do outro lado, cada vez mais
Vai ficando vazio
Um coração que vai sendo deixado de lado

Porque não tem estantes

domingo, março 29, 2009

Lucky

Até as estrelas abriram as cortinas para deixar entrar a melodia que na Terra embalava multidões. A noite deixou de ser negra para assumir cores. Assim, ela podia se misturar aos demais e dançar, dançar, dançar até cansar e poder se recostar ao longe, oferecendo seu colo e seu manto para apaziguar os ânimos de quem também já não tinha voz.

Não havia nada que não estivesse, nesse momento, conectado. Corações, mãos, olhares, ouvidos, vozes, tudo vibrava junto, eternizando para sempre um sentimento tão único e ao mesmo tempo tão compartilhado.

E, no fim, a chuva nem voltou. Já tinha tanta água escorrendo de olhos tão emocionados, que não era preciso molhar mais nada.

quinta-feira, março 12, 2009

O começo do fim

Da pena foram caindo as plumas e do tinteiro restaram apenas algumas gotas secas. O papel largado em cima da mesa, com duas ou três frases começadas e não acabadas denunciava o desprezo pelo pensamento que ali se prendia. A cabeça estava em outro lugar, ou seria o corpo todo que teria sido engolido pela página em branco?

domingo, março 01, 2009

Eterno desconforto

Eu nunca entendia se aquela excitação que eu sentia era comum ou era apenas uma reação exclusivamente minha àquele emaranhado de sons e imagens. Eu sentia que fazia parte deles, ou ao menos deveria fazer, e pensava que talvez fosse essa a explicação mais sensata para eu continuar achando que a minha vida andava a esmo, sem graça, movimentada apenas pela inércia de tudo à minha volta.
Eu queria sair, conhecer o mundo, ir além da geografia, para aqueles outros mundos em que existia cor e melodia e nos quais valia muito a pena trocar a noite pelo dia.
Eu ficava sentada, aqui e ali, sempre na ânsia de que alguém, percebendo meu desconforto e desvendando meus desejos, me levasse para onde eu realmente queria estar.

terça-feira, fevereiro 24, 2009

Partir, andar, voltar

Começa assim: uma idéia na cabeça e um pulsar mais forte no coração. O sonho vai tomando forma e, quando você se dá conta, já é uma bagagem pronta, acompanhada por um bilhete de partida.
A mochila nas costas, a bússola imaginária nos pés. A viagem começa com uma folha em branco, um livro sem glossário, que vai sendo colorido e redigido com olhos gulosos, que tudo capturam.
Começam a surgir as marcas: primeiro as de sol, depois as dos mosquitos, alguns arranhões das aventuras. Lá dentro, ficam registrados os sinais das chegadas e partidas, registros de abraços, toques e olhares.
A mala vai abrindo espaço para tranqueiras, amontoados de papel, lembranças de lugares bonitos. A grande sorte é que os sentimentos que também vão dentro não pesam nada nos check in's.
E chega um ponto em que a saudade do que se deixou pra trás, em casa, vai ficando do mesmo tamanho daquela que a gente sente por tudo de novo que agregamos no caminho. No pensamento, sabemos que podemos e teremos que voltar para nosso lugar, e que muita coisa ficou eternizada só no momento em que durou. E, nessa hora, não é a tristeza que vira companhia e, sim, a felicidade. E o orgulho, por ter tido coragem de investir num sonho mesmo que só se possa revivê-lo fechando os olhos.
Sobra, claro, sempre um pouco, ou muito, de nostalgia. Mas ela sempre é bem-vinda para aqueles que têm um coração.

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

Distâncias

O mundo realmente é bem grande... e se há inúmeras barreiras físicas que separam tudo e todos, há uma quantidade muito maior de laços que unem todos os pontos. Às vezes, sem precisar de uma única palavra.

terça-feira, fevereiro 10, 2009

Sobre o silêncio

Eu procurei tanto o silêncio
E foi ele quem me encontrou
Veio na hora que sabia que era a certa
E depois se foi.

sábado, janeiro 24, 2009

Sobre o fim

Depois que tudo acaba, a gente morre de saudade. Mas revive da esperança de sentir e viver tudo de novo, até o fim.

terça-feira, janeiro 20, 2009

Devaneios

Meu caminho são meus passos certos pela incerteza da vida. Da rua vem o silêncio do excesso de ruído, embutido nas lacunas da ausência de canção. Enquanto o prédio ao lado reza para livrarnos dos males amém, o vizinho vende a preço barato, encobertado pela bela embalagem, o desfrute, o desvio e o pecado - e se levar os três ainda ganha um desconto.
Na rua dos desencontros ainda moram olhares tristes, carregados de lembrança. Foram apagando pedaços de cimento, mas memória não é concreto, não vai embora com uma martelada, a não ser que seja na cabeça - mas isso não é coisa que se faça. Medidas extremas têm seus limites.

segunda-feira, janeiro 19, 2009

Sobre o tempo

O tempo nada mais é que uma disputa contínua entre o tic e o tac para ver qual dos dois chega primeiro ao segundo final.

Tic Tac
Tic Tac
Tic Tac

Tic
Ou
Tac?

quinta-feira, janeiro 15, 2009

Enquanto continuar plantando egoísmo, só colherá solidão.
E não adianta culpar os comprimidos.

domingo, janeiro 11, 2009

Cinema vivo

Pior mesmo
São os filmes da vida gravados por nossos próprios olhos
Que registram imagens que rodam
Incessantemente
Incansavelmente
Pela tela da mente inquieta e insone da gente

quarta-feira, janeiro 07, 2009

Suzinices

Girei a chave na porta
Ao entrar, percebi uma cama sobrando
E a dúvida que agora me consome é:
Seria a cama que sobrava
Ou a companhia que faltava?