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quinta-feira, dezembro 28, 2006

Traições

Te traí.

Me peguei pensando em outro. E não foi por pura maldade, ou com alguma intenção vil. Foi porque ele soube ouvir melhor os meus medos. Os meus devaneios. Porque a complexidade do meu ser para ele é como um quebra-cabeças de mil peças, que precisa de tempo, cuidado e dedicação para ser montado. Primeiro vê-se as peças, todas, misturadas. Embaralhadas, confusas, muitas parecendo repetidas, mas cada uma com sua peculariedade, com seu corte, com sua cor. Depois buscam-se os encaixes, e dia após dia algo novo é encontrado, entendido, encaixado.

E pensei nele talvez porque ele chegou assim, bem perto de mim, e não teve medo. De perguntar. De falar. De ser quem ele era. Não teve medo de tocar e de me ver, não teve medo da minha reação e nem do que diria. Nem teve medo do que aconteceria no momento seguinte. E não quis roubar nada de mim além do que meia dúzia de minutos de trocas de palavras. E não quis ser aquilo que ele não era.

Não quis me comprar com palavras vendidas num mercado barato, que todos usam, que todos falam. Mas poucos sentem. Não quis me dizer coisas sobre o céu e o espaço pra vender uma inteligência alheia. Não quis recitar poemas que não eram seus. Nem quis dizer as habituais mentiras que fingem convencer sempre.

Te traí porque me permiti ser quem eu sou, assim, complexa. Com minhas próprias vontades, com minhas próprias idéias, com meus próprios instintos. Te traí porque você me enganava quando fingia pra si mesmo que eu não era assim. Que eu atendia seus anseios e me encaixava no espaço vazio da sua vida.

Te traí porque preciso de espaço. Porque preciso de tempo. Porque preciso de sorrisos sinceros, de gargalhadas altas, de danças malucas, de conversas fiadas, de noites caminhando pela madrugada, de um ou outro copo de cerveja, de muitos outros de água, outros tantos de café. De vento, de cheiro de mato molhado. De liberdade.

Liberdade...

Liberdade...

Liberdade...

Te troquei pela liberdade...

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Uma roupa que não cabe

Não se encaixa. Não cabe, por mais que faça os olhos brilhar e pareça ter sido costurada para esse corpo vestir. Quando se vê, superficialmente, há certeza de que foram feitos um para o outro: roupa e corpo.
Estica. Alarga. Finge que não vê a dobra, a ruga. Passa. Torna a amassar. Cai um botão. Talvez dois. Costura. Remenda. E continua não servindo.
Quem vê um lembra do outro. Quem vê o outro não consegue imaginá-lo em outro lugar do que junto ao um.
Aperta um pouco ali do lado. Quem sabe uma pença. Uma fita pra enfeitar? Pra disfarçar o que não está bem. Dobra um pouquinho. Põe outra peça por cima.
Não adianta: a peça não serve, mas mesmo assim não sai do armário.

Quantas coisas na vida insistimos em usar e levar adiante, mesmo quando não se encaixam na nossa vida?