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sexta-feira, maio 25, 2007

Olhar perdido

Eu queria tanto achar
O olhar que se perdeu
Se não está aqui guardado
Com certeza deve ter vazado
Por uma frestinha nos olhos que se abriu

Pra não dizer que não falei de cones

Não existe vida mais monótona do que a de um cone. Ele fica lá, parado, aonde quer que o coloquem. Seja em grupo, para desviar caminhos ou simplesmente para tapar um buraco, solitário, um cone só se move com a ajuda de alguém. E isso pode acontecer voluntariamente ou acidentalmente, quando um cone é atropelado. E por que um cone é atropelado? Ora, pois. Porque ele não consegue sair do lugar em que o colocaram, nem mesmo numa situação de risco iminente.

O cone também é, de longe, um objeto indefinido. Na maioria das vezes não sabe se quer ser laranja ou branco, preto ou amarelo. Seu formato disforme complica seu armazenamento e impede que se carregue ele, fisicamente, por muito tempo. Mas a vantagem é que ele pode facilmente ser amontoado com outros cones.

Um cone não se move, minha gente! Ele está aí nesse mundo para fazer com que você dê uma volta maior para chegar aonde quer. Ou para testar sua habilidade de passar por entre muitos deles, ziguezagueando, sem atropelá-los ou tocá-los.

E não adianta, uma coisa é fato: pode brigar, esbravejar e gritar. Ele não vai sair do lugar. Não até que alguém o mova de lá.

segunda-feira, maio 21, 2007

sábado, maio 19, 2007

Viagens partilhadas

Mãos procuram apoio. Pés procuram pelo lugar certo. Corpos se tocam enquanto buscam a melhor maneira de seguir em frente. Pessoas partilham dos mesmos sentimentos quentes, úmidos. Movem-se numa dança lenta e constante, embaladas pelo som da caixa cinza. Alguns olhos se encontram, uns desviam-se, outros permanecem ali, um olhando o outro.

O corredor escuro não permite olhar a paisagem. Pode-se dormir. Pode-se ler. Pode-se brincar com os dedos ou as pontas do cabelo. Mas o melhor e o mais intrigante é olhar. Olhar a multidão de gente que divide a mesma viagem, que muda a cada estação, que entra, que sai. Gente que conta um pouco de sua história pelo pouco que leva no corpo e nos braços, em roupas e bagagens. Histórias contadas em alta voz são partilhadas com estranhos, companheiros nunca vistos. Tornam-se nossas, as levamos conosco.

Vozes que se ouvem.
Olhares que se encontram.
Mãos que se tocam.
Caminhos que se unem.

Pessoas que vem e que vão, todo dia, dia todo.

domingo, maio 13, 2007

Sobre mães e filhos

Um amontoado de gente espera por um espaço na fila para entrar na churrascaria. E na porta do restaurante chique, a cena se repete. E em muitos outros lugares. Tudo isso porque hoje é dia das mães e alguém disse que a primeira coisa que se deve fazer nesse dia é levar aquela que te pôs no mundo para uns momentos longe da cozinha e do fogão, mesmo que ela tenha que esperar até duas horas em pé embaixo do sol.

É lógico que elas amam, porque muitas vezes é uma das raras oportunidades de ver a família reunida almoçando. Filhos, netos, noras, genros, sobrinhos, marido, irmãos. Uma lista enorme de pessoas que só se encontram em datas marcadas em vermelho no calendário em cima da mesa: natal, páscoa, dia das mães.

Mas e nos outros dias? O que acontece? A sina dos dias solitários, esquecidos, abandonados? Ou a de ouvir o filho batendo a porta contrariado, o marido reclamando da comida e a nora dizendo que sogra é um presente de grego que se ganha no dia do casamento?

Família começa na mãe. Digam o que disserem, mas a verdade é esta. Só existe família a partir de uma mãe. Além de ser ela a carregar o fruto da união, a junção de características, personalidade e jeito de dois seres que se amam, é ela que mantém todos reunidos, juntos. A mãe suporta tudo pela felicidade de ver a família reunida, nem que seja por cinco minutos.

Dia das mães todo mundo lembra da dor do parto, das puxadas de orelha, dos castigos, dos ensinamentos, tudo como se fosse uma coisa bonita, fim de novela. Mas no dia-a-dia o reconhecimento, a paciência, o respeito ficam pro segundo plano.

Dia das mães pra mim é igual a tantos outros dias do ano: sinto falta da minha mãe, do cheiro dela, da risada dela, do carinho dela, da preocupação dela e dela, todinha, aqui perto de mim. E não é porque é dia das mães. É porque estar longe e ser gente grande sozinha, num mundo distante de casa me fez perceber a importância de ser mulher forte, sem perder a sensibilidade. De falar grosso pra corrigir um erro mesmo quando o coração se parte em dez por isso. É ter que escolher entre diversão e compromisso e ter que optar pelo segundo porque a responsabilidade fala mais alto. É ter que sorrir e comemorar em alguns momentos, mesmo tendo lá dentro um coração que chora agoniado de saudade, causada pela ausência de alguém. É olhar pro saldo bancário e ter que escolher pagar a conta ou comprar a roupa nova bonita.

Compreendo assim muita coisa que minha mãe passou pra eu poder chegar onde cheguei. E sei o quanto sofre e sofreu a dor da ausência, tanto quanto eu. E que ela dá tudo dela para ver a gente juntas e felizes, as três, mulheres fortes e sensíveis.

A ela todo o meu amor, dedicação, reconhecimento e acima de tudo, compreensão. Não só hoje, mas em todos os dias. Porque a data especial dela em minha vida é todo dia.

sexta-feira, maio 11, 2007

quinta-feira, maio 10, 2007

Seleção não tão natural

Apresento nova tese, ótima para processos de recrutamento e seleção:

Passo a Passo

- Marque o horário de almoço para realizar a dinâmica de grupo.
- Avise antecipadamente aos candidatos que haverá um lanche para o almoço.
- Espere todos chegarem, se acomodarem e lhes ofereça uma coxinha grande, quentinha, cheirosa e suculenta.

Observe-os comendo e pondere:

- Os que pedirem garfo e faca para a coxinha: possivelmente burocratizam os processos com instrumentos e procedimentos desnecessários para alcançar o objetivo final;
- Os que começarem a comer a coxinha pela parte do recheio: possivelmente não sabem esperar para obter a parte prazerosa, querem resultados imediatos, mesmo que sobre só massa no final;
- Os que comerem toda massa e deixarem o recheio para o final: possivelmente não sabem como fazer as partes envolvidas interagirem nem aproveitar ambas para o sucesso comum e simultâneo;
- Os que não comerem a massa: possivelmente pensam que são superiores e tem direito somente às melhores partes e tarefas, não vão realizar ações operacionais;
- Os que não comerem o recheio: possivelmente trata-se de candidato vegetariano (conferir), caso contrário, tem baixa auto-estima e sentimento de inferioridade aflorado;
- Os que não comerem a coxinha: difícil. Ou o cara tem uma causa muito profunda ou trata-se do tipo caso de frescura com estética e visual. Só vai se preocupar com imagem.

Essa idéia vai ser um sucesso. Vou patentear.

terça-feira, maio 08, 2007

Ela, ele e o silêncio

Sentaram no primeiro banco que encontraram na praça. A discussão tomara a caminhada toda e a tornara ainda mais exaustiva. Lado a lado, emudeceram entre as árvores que balançavam suavemente com a leve brisa noturna.

Ela mantinha os olhos voltados para o chão, entretidos em ver seus pés dançando sem fazer barulho, em movimento para cima e para baixo, da esquerda para a direita. Os sapatos vermelhos, com uma pequena fita entrelaçada à frente, pareciam divertidos olhados assim, dessa maneira.

Ele, com as mãos apoiadas no banco, como num sinal de quem ia levantar abruptamente, olhava para a rua, como quem espera por algo ou alguém. Seu olhar não se movia, estava fixo, parado, perdido em algum ponto da movimentada avenida ali adiante.

Já era madrugada, mas mesmo assim muitas pessoas caminhavam pelas calçadas. Logo ali ao lado, um grupo de cachorros corria de um lado a outro, como numa brincadeira de pega-pega.

Num gesto delicado, ele tirou uma das mãos do banco e buscou a dela. Os dois se olharam e ele quis falar e não conseguiu. Tentou novamente, mas de sua boca não saía nenhum som. Apenas os lábios moviam em movimentos nervosos como se percebessem sua solidão sem as palavras. Ela, buscando aliviar seu sofrimento, tentou balbuciar alguma frase carinhosa, mas percebeu que também não conseguia.

Já que as palavras os separavam, estavam condenados ao silêncio, que eternizaria sua união.

quinta-feira, maio 03, 2007

Excessos

Ter doze dedos nas mãos não faria sentido.

Ter quatro olhos tiraria o foco.

Mais de dois ouvidos me distrairia.

Quatro braços me enroscariam.

Dois corações me matariam.