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domingo, março 30, 2008

segunda-feira, março 24, 2008

Vista interna

Minha sombra é apenas mais uma prova da nebulosidade que habita em mim.

Me descobri incomodada com a minha própria presença e desesperada por saber que os únicos momentos que tenho longe de mim são quando repouso meus olhos e meus ossos durante o sono.

Nunca estarei livre de mim e nem posso me abandonar. Esta é mais uma verdade que colidiu comigo e que tenho que enfrentar.

Por muito tempo acreditei que fugia das pessoas, mas agora compreendo que é de mim que sempre quis me afastar.

Não me considero merecedora do menor instante de felicidade e é por isso que os espanto.

A solidão mais triste a que me reservo é a que planejo viver comigo mesma.

quarta-feira, março 19, 2008

Murmúrios de um dia sombrio

Vou me despedindo da vida, lentamente. Não sou eu quem está desistindo dela, mas sim é ela que a cada dia um pouco se vai.

E olhar pra trás traz tanta coisa, que já nem sei mais o que sentir. Uma felicidade inconstante pelos tantos momentos inesquecíveis. Um acelerar do coração trepidante ao pensar em tanta gente que passou pela vida. Um derramar de águas torrencial por todas as desilusões. É uma amargura doentia, por saber que não dá pra voltar atrás e recomeçar.

E tem tanta coisa que se quer deixar. Todo mundo quer se eternizar, nem que seja na vida de apenas uma pessoa. E deve doer sentir que se passou a vida a esmo, sem deixar rastros, nem sinais, nem lembranças...

Se eu tivesse um único desejo para depois da minha despedida seria ter minhas memórias guardadas dentro de um coração zeloso. Alguém que pudesse cuidar delas e fazer com que nunca se apagassem.

Se eu estivesse partindo hoje, gostaria de deixar como herança, a meus amigos, a minha família, a meus amores, tudo o que sinto. Tudo que não pude sentir. E tudo o que quis sentir.

Se eu soubesse mesmo quando o fim chegaria, gastaria meus últimos minutos dando todo tempo que não tenho dado a toda gente que tem merecido.

Se eu soubesse, se tu soubesse, se qualquer um soubesse... a angústia não faria sentido. E não haveria dúvida, não haveria estímulo.

Melhor não saber... e tentar fazer por merecer quando ainda estou viva.

segunda-feira, março 17, 2008

Só palavras

Se conheceram por uma fresta na parede de madeira que os separava. Ele ouviu ela chorando baixinho e, num ímpeto de solidariedade, sussurrou do lado de cá: "ei, você quer conversar?" Ela, meio sem jeito por ter sido descoberta em momento tão íntimo, consentiu. Disse meia dúzia de palavras sinceras demais, do quanto estava chateada com a vida que levava. Se espantou porque nunca tinha falado tanto de si mesma para outra pessoa.

Ele, por sua vez, compreendeu. Partilhava com ela da mesma solidão e dos mesmos dias tristes e sombrios. Passaram a noite toda conversando e só se deram conta disso quando o sol apareceu nos furinhos das telhas.

E esse foi só o primeiro dia. Desde então, passaram a trocar confidências, falar sobre o tudo e o nada, sobre as pessoas que fizeram parte de suas vidas, sobre como tinham chegado ali, sobre o que sonhavam, sobre os passos que ouviam, sobre as esperanças que tinham. Dormiam pelo cansaço de tanto conversar, mas acordavam ansiosos pelo sinal que demonstraria que o outro também havia despertado. E assim passaram semanas e meses, esquecendo que estavam sozinhos.

Pela fresta, tudo o que conseguiram ver foram detalhes dos olhos, cantos dos lábios e mechas de cabelo caídas. Por mais que um tentasse se afastar para que o outro o visse, seus espaços eram tão escuros que tudo o que conseguiam enxergar eram sombras indefinidas.

De tão próximos que ficaram, ele um dia se declarou. Revelou seus desejos mais secretos e contou seus planos. Ela, sorriu chorando do outro lado, eufórica com tanto amor correspondido. Mas de repente seu sorriso se perdeu. E ela se lembrou que palavras conseguem ultrapassar paredes. Mas, sozinhas, nem sempre são capazes de entrar num coração.

quarta-feira, março 12, 2008

Braços e sorrisos abertos!

E amanhece um dia em que você acorda com aquela euforia vinda de não sei onde, com vontade de abraçar todo mundo pelo caminho, do porteiro ao colega de trabalho ranzinza. E nesse dia tudo o que você quer é sorrir e fazer as pessoas sorrirem, 'não deve ter missão mais bonita na vida', você pensa lá no fundo.

E ae você sai pra rua cantando, mas encontra um bando de caras sizudas, sérias, medindo o tamanho da sua ousadia, do seu pé à cabeça, como se toda alegria que se demonstra pudesse caber apenas neste pequeno volume de gente.

E você chega no trabalho e diz bom dia, mas o que recebe como resposta são os tec-tec-tec nervosos de dedos apressados no teclado. Nem começou direito mais um dia e estão todos por aí, enfiados em papeladas que nem dizem respeito às suas próprias vidas.

Alegria sufocada pode matar, sorrisos presos podem deixar a boca torta, assim como tomar café olhando no espelho, já nos avisava nossa boa avó. Então pra que perder a oportunidade de ser bonito, de deixar solta toda vontade de ser feliz e fazer os outros felizes?

Porque no final, é isso que conta mesmo. Quer seja no fim do expediente de trabalho ou nos últimos instantes da nossa vida, o que vamos querer lembrar é do quanto fomos felizes. E as boas recordações deixam os cantos dos lábios sempre voltados para cima, porque é para este lado que se cresce. Na vida, na sorte, na fé, no canto e na morte. Braços e sorrisos sempre abertos!

quinta-feira, março 06, 2008

História de um romance interrompido

Desligou o telefone e sentou na cama empaledecida e com as pernas bambas. Só lembrava que a voz do outro lado da linha dizia: "tentaram de tudo, mas ele não resistiu..."

Seus olhos afogaram-se em lágrimas e suas mãos já não suportavam nem o copo, de tão trêmulas. "Não resistiu..." as duas palavras ficavam latejando, enquanto a cabeça girava com mil lembranças.

E, de repente, o que era só dor virou também remorso. Por que é mesmo que tinha recusado o encontro da véspera? Ele disse que queria conversar, que estava com saudades. Mas ela achou que podia esperar até amanhã, queria dormir, estava cansada. Agora, pesava o último abraço que não tinha dado, as últimas risadas que não compartilharam, o último beijo que não deram.

A dor do nunca mais bateu forte em seu peito. E ela se lembrou das vezes em que ele partia em suas viagens pelo mundo, e ela lhe perguntava chorosa: "nunca mais vou te ver?" Então ele segurava forte em suas mãos, colava seu rosto no dela e respondia: "nunca mais é muito tempo para ficar longe de você."

Mais do que antes, agora, ela tinha certeza disso.

domingo, março 02, 2008

O melhor lugar do mundo

No mundo das pessoas invisíveis a multidão passa sem olhar para ninguém.

Cada um é só mais um no meio da imensa massa de gente que vem e que vai. Estão todos dispostos a deixar cada um viver a sua vida.

Paraíso de um, inferno de outros, neste lugar cada um pode ser o que é, o que quiser ser. Sentar na rua, caminhar na chuva, chorar em público... Tudo é possível.

Num mundo onde a privacidade não existe mais e onde não se encontram mais ombros que suportem muito tempo angústias alheias, o espaço cheio de anônimos é o melhor refúgio.