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sábado, março 03, 2007

História de uma noite de chuva

Estou atrasada. Olho para o relógio e prevejo que nada do que havia planejado para a noite seria cumprido. Trânsito parado, chuva na janela do ônibus, o sono me ganha.

Acordo ainda em meio à grande massa de carros que se aglomera na tentativa de ganhar a liberdade, pista livre. Olho novamente o relógio, já foi. Perdi meu compromisso.

Através da janela vejo as pessoas correndo para não se molharem. Não faz frio. Alguns tentam ironicamente se proteger da chuva com carteiras e braços erguidos e esticados sobre as cabeças... Vã ilusão...

Enfim, metade do meu destino está cumprido. Preciso descer e tomar outra condução para ir pra casa. Podia ficar mais no ônibus, ir até o ponto final. Mas a chuva me chama. Noite de chuva, convite para um passeio pela minha avenida preferida, não recuso jamais. Combinação perfeita. Chego a agradecer por ter perdido o horário, talvez fosse disso que eu mais precisasse naquele dia: um momento comigo mesmo, num lugar onde me encontro.

A passos completamente vagarosos sigo o percurso que minha mente já conhece, e por isso me poupa de pensar em qual lado da rua andar, e para onde seguir. A chuva deixara de ser fina, mas isso não era um problema, e sim, um alívio.

Alívio pra alma, alívio pro coração, cansado, judiado, de tanto sentir, de tanto tentar entender. "É preciso lavar a alma", era o que ele gritava lá dentro, na sua maneira tum-tum de se expressar. Chuva lava a alma. Leva embora aquela poeira cinza que acumula, que colocam nos nossos ombros. Ele queria, eu queria, ambos estavámos de acordo com a situação.

Vários transeuntes passam. Um deles segue no mesmo passo que o meu, ao lado. Penso que talvez ele esteja querendo lavar a alma também. Seu coração deveria estar aflito por sossego assim como o meu. Pensei em travar uma conversa, mas caminhar na chuva pra aliviar as tensões é às vezes um ritual que precisa se fazer sozinho.

Buzinas, luzes, pessoas, carros, poças, risadas, cheiro de comida de boteco. Sensações. Milhares delas sentidas em uns tantos minutos de caminhada. Os olhos se enchem de tanta coisa pra ver, o coração respira outros ares, aliviado por estar sentindo novas e diferentes sensações.

Meu caminho acaba ali, na casinha arredondada de vidro. Uma vez mais antes de entrar eu olho pra trás, pra minha avenida preferida, respiro... Uma, duas, três vezes...

Adeus, eu volto, em breve.

Um comentário:

Anônimo disse...

fantástico o texto, luanita (assim como a sua avenida preferida...)!