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sábado, dezembro 29, 2007

Aos bons amigos, por 2007

Um ano tem 365 dias (ou 366, em alguns) em branco, a serem preenchidos com todo tipo de imagem, de som, de cheiro, de situação, de gente, de lugar...São 365 novas páginas que podem ser escritas pedaço a pedaço, dia após dia. E não importa se faz sentido com o que escrevemos ontem, desde que o propósito seja, no fim, ter uma obra repleta de recordações boas, que nos faça sorrir de novo, como na primeira vez. E repleta também de aprendizados, de histórias para contar, de coisas que não podem mais ser feitas, que sabemos que não podem mais ser feitas.

Cada página é escrita pelo dono de cada história, ou seja, cada um de nós. Porém, ela só é completa e só acontece, com a ajuda de outros escritores, que são muito além de leitores e coadjuvantes de nossos contos. São co-autores.

As folhas em branco não são só preenchidas com palavras, mas também com cores, com imagens. Vão além: podem ter música, podem ter sentimento, podem ter cheiro. Enfim, nosso grande livro da vida pode ser do jeito que a gente quiser, quando a gente quiser... Basta só tomar a caneta para se criar...

2007 foi um livro cheio de páginas coloridas, com cheiro de terra molhada e de café, de São Paulo amanhecida. Teve o embalo dos bons rocks e dos sons de dedos rápidos nos teclados e de carros passando. Também teve gente cantando, brincando, correndo. Foi um ano cheio de páginas sérias, mas que são muito necessárias e bem-vindas para construir novos rumos, planos e sonhos.

Foi uma história de gente. De muita gente. De gente que chegou e que se foi, de gente que estava e quis ir, de gente que já estava e continuou e de gente que chegou e quis ficar. Foi com a cor de suas canetas que pintei a minha vida e decorei a minha história neste ano.

Sem eles, meu livro seria só um punhado de páginas em branco ou de monólogos sem graça. Que Deus permita que possamos todo ano celebrar histórias inesquecíveis, as minhas e as suas!

Escolhas

Levei tanto tempo pra entender
Demorou muito para sarar
Agora que tenho o controle
Quem você pensa que é para me fazer voltar atrás?
Não são tuas palavras bonitas
Nem teus cortejos programados
E nem mesmo toda sua beleza há de me fazer abandonar
Minha liberdade
Meus dias de primavera
Meu boteco com amigos
Meu sono tranqüilo
Meus olhos sem lágrimas
Enfim, não há nada que eu queira abandonar.

Nada.

quinta-feira, dezembro 27, 2007

Revisitando a dor

Curiosa, quis saber se ali ainda podia encontrar vida. E num movimento sem cálculos nem medidas, abriu os braços para o golpe certeiro. E o sangue correu e as lágrimas rolaram.

A dor foi tão intensa quanto da primeira vez. O pulso latejava, com a cabeça girando, tentando entender por que, se já conhecia o fim, permitira a agressão.

Sentir com cada centímetro do corpo, voltar a ter sensações. Talvez isso justificasse. Talvez não.

Chuva

Quis tanto não chorar que choveu. Torrencialmente.

E cada gota da chuva que caía batia no chão com a intensidade que o coração sentia. Cimento não sente dor. E foi assim que descobriu que não era feita de pedra.

A chuva ainda não parou.

sábado, dezembro 15, 2007

O fim do ser e do estar

Como pode alguém ocupar tanto espaço na vida de outra pessoa, mesmo que pareça não existir?

Olho pra casa vazia que ecoa todo som, toda voz e vejo que não são somente os móveis que foram embora. Foi toda a presença de uma vida partilhada. Foram os risos, o arrastar de chinelos, a batida das portas, a cantoria no chuveiro, o cheiro de comida ficando pronta.

Foi tudo isso e foram todos os detalhes desta relação que deixaram este lugar vazio, com seu piso frio, com suas paredes sem cor.

As janelas permanecem cumprindo seu dever de espiãs, de dentro pra fora, de fora pra dentro. Elas, que outrora foram testemunhas de dias felizes, hoje choram, em luto pelo sentimento que se foi...

O fim é um capítulo filmado numa sala branca e vazia.

Restos que ficam para trás

Tô brincando de me arriscar.
Tô gostando de correr o risco
De me perder
De me esquecer
De não lembrar
De não pensar
Tô querendo experimentar
Me libertar

Botar à prova este velho coração de ferro.

sábado, novembro 17, 2007

O dia em que eu o encontrei

Eu havia esperado por anos, anos mesmo, por aquele encontro. Procurava nos jornais, nos sites e nas revistas por alguma notícia que tratasse da vinda dele, uma das paixões da minha vida, à minha cidade.

Até que, folheando o jornal de um domingo, minha irmã diz: "você viu quem vai estar aqui esta semana?" Gelei. Senti o coração pulsar como se pudesse já prever o que aconteceria em poucos dias.

Os dias que se seguiram foram de intensa espera. Ansiedade, estômago dolorido. Nem a chuva nem o caos da vida me impediriam de sair de casa para vê-lo.

Longa fila para entrar onde nos encontraríamos. Muitas caras, algumas conhecidas. E então, entre todas elas, lá está, ele, em seu silêncio e sua fisionomia pacífica. Cauteloso, sem acessos nem excessos de simpatia. Lindo. Adorável. Tenho vontade de chorar só de pensar que dali, daquela pessoa, por aquelas mãos nascem as palavras que mais gosto de ler e ouvir e que mais me inspiram.

Ouvi atentamente a cada uma de suas palavras, sem conseguir tirar dos lábios o largo sorriso constante. Esperei pelo momento em que poderia dizer para ele todas as coisas que durante muitos anos eu quis dizer.

Com o coração aos pulos, as mãos trêmulas e a voz meio ofegante, quando ele me olhou nos olhos e perguntou meu nome, só pude falar: "Oi, Veríssimo. Eu sou a Luana, uma fã apaixonada por você e seus textos".

Ele riu. E eu também, o resto do dia.

sábado, novembro 03, 2007

Um minuto para mim

Cada dia um novo dia, uma nova oportunidade para fazer tudo diferente. Muitas horas para serem preenchidas, como a página de uma agenda em branco, com momentos que nunca mais esqueceremos, com encontros que nos proporcionarão risos faceiros, verdadeiros, festeiros.

Temos diariamente uma quantidade enorme de minutos para fazer das nossas vidas felizes. Mas se a gente começa a olhar demais pro relógio, perde tempo com o mundo sério que se esconde por trás dos ponteiros negros do círculo que marca o compasso de nossos passos.

Uma vez por dia devíamos esquecer que o relógio existe. Trabalhar, estudar, correr, planejar, tudo isso fazemos com um único objetivo: ser feliz. Um minuto ou dois, não interessa. O que importa é deitarmos e termos um motivo para fechar os olhos e pensar e sonhar com o próximo minuto em que esqueceremos de tudo para lembrarmos do que mais queremos e precisamos: felicidade...

Felicidade que não tem intenção de ser eterna, apenas de ser intensa enquanto durar.

sexta-feira, outubro 26, 2007

Amor maior

Hoje, enquanto eu dormia no meu fretado, voltando para casa, Deus pintou o céu para mim. Quando abri meus olhos e vi através da janela tanta beleza, meu coração bateu mais rápido. Nenhum outro amor faria algo tão belo para me ver feliz. Só o amor maior.

sábado, outubro 20, 2007

Outono


Hoje eu acordei, abri a janela, respirei fundo e percebi que o outono da minha vida tinha passado, mais uma vez.

Não é que eu não gosto do outono. É porque é quando as folhas perdem o viço, as árvores se desfazem do que é antigo para dar lugar ao novo e os dias ficam cheios daquela imprevisibilidade.

É quando os bichos se escondem, se protegem e se cuidam. É quando a gente cuida do que tem de valioso, daquilo que juntamos ao longo dos dias e que nos dará força quando as tempestades e dias de frio intenso surgirem.

Percebi porque senti que o colorido tinha voltado a fazer parte dos meus dias e estava me fazendo ver tudo com a real beleza que há em cada coisa. E porque percebi que estava na hora de juntar as folhas e galhos secos e jogar fora, para dar lugar ao espetáculo que é quando surgem as flores.

Assim como tudo na vida, o outono também passa. E volta, um dia.

sábado, setembro 22, 2007

Vida on

Posso ser chata, rabugenta. Posso levar as coisas a sério demais e ser muito mais velha do que eu deveria ser. E tem gente que pode até achar que não sou feliz por causa disso tudo.

Mas quando eu aperto o play do meu som só eu sei o prazer e a alegria contagiante que sinto. A vontade de esquecer que a rua está cheia de gente e sair dançando por aí, cantando alto e deixando a música contagiar tudo à volta.

Os pés ganham leveza, as pernas começam a movimentar e os dedos a tamborilar. Dá uma vontade de sorrir, de fechar os olhos, sentir o vento, abrir os braços e cantar alto cada letra, cada frase.

E eu passo pelas ruas olhando quem vai, sério, seguindo seu destino, sem a companhia das boas e velhas canções. E fico pensando que tristes são eles. Enquanto o meu mundo está colorido, o deles, para mim, parece preto e branco.

Existem duas vidas: uma on e outra off.

terça-feira, setembro 18, 2007

Um dia frio

Hoje faz tanto frio como há seis anos. O mesmo céu azul, com o sol brilhante, está ali ao alcance dos olhos de quem quiser ver. De quem puder ver.

Desde o dia de sua despedida tem um vazio que mora aqui e que nunca mais será preenchido.

Hoje o dia amanheceu exatamente como o dia da sua partida. Com a mesma dor, aumentada pela saudade que se faz cada dia mais presente.

domingo, setembro 16, 2007

Recordação

Hoje eu sentei aqui e fiquei olhando as lembranças, imagens distantes de um tempo em que fomos amigos. E felizes. E senti no peito a mesma volupia que sempre senti quando alguma coisa dava errada nesta relação e eu corria atrás de você, que era para não deixar irem embora os sorrisos partilhados. As histórias que vivemos, as lágrimas que enxugamos, as risadas que trocamos, tudo isso fez meu coração apertar de saudade. E quanta saudade!

Pensei em correr pro telefone e ligar e dizer: "corra, vem pra cá, aquele filme brega da sessão das dez vai passar de novo e nós podemos ver juntos e rir de tudo outra vez, o que acha?"

Não fosse por um segundo divisor, era isso que teria feito. Mas ali, do lado das lembranças boas, eu percebi, dobrado, amassado e escondido, o rol de lembranças amargas, doloridas e tristes que eu, por um momento, esqueci. E me perguntei se sou só eu que sinto saudade, que tenho vontade de ligar e pedir desculpas. Pô, a gente erra na vida e o que nos faz amigos é abrir os braços sempre que alguém pede pra voltar.

E foi assim que percebi, pelo teu silêncio, por tua ausência, que nada disto possivelmente importa para você. Que isso tudo que guardo com tanto carinho e me faz ter vontade de te ter perto de novo, para você não representa nada. Possivelmente para você não fomos nada, não temos nada, eu pra você sou mais um.

Carrego aqui então comigo mais algumas poucas lágrimas que deixarei correr por você. Porque a despedida, no fim, sempre faz as coisas ficarem mais belas do que elas foram. E é assim que prefiro guardar nós dois, como uma boa recordação.

segunda-feira, setembro 10, 2007

Atropelados

As pessoas não medem a velocidade com que atropelam os sentimentos dos outros.

É por isso que existem por aí tantos feridos: somos todos atropelados, algumas vezes, até pelos amigos.

sexta-feira, agosto 17, 2007

Conselhos

Situação 1: Você está lá, sentada, esperando o sei lá o quê que está para passar. De repente, cruza os olhos com o moço ali do lado, que também sabe-se lá o que está esperando, e que você descobriu que está te olhando. Pronto. Motivo suficiente para a mente viajar e você pensar que o bendito vai levantar de onde está, ajoelhar-se na sua frente e dizer que você é a mulher por quem ele estava esperando desde que nasceu. O fato é que o tal sei lá o quê que o moço estava esperando acontece e ele vai embora sem ao menos dar um sorrisinho. Você, claro, frustrada.

Conselho: Pare de ver novela.

terça-feira, agosto 07, 2007

O velho que corre

Às vezes eu tenho a impressão de que, logo, este velho pedaço de músculo, desenhado de forma tão romântica por crianças e namorados, vai cansar dessa corrida louca que ele faz todos os dias. E ele vai parar porque vai se perguntar por que é que foi que ele se apressou tanto na vida, por que é que ele saiu em disparada, como se buscasse um refúgio, garantido só pra ele em algum lugar desse imenso mar de gente.

E ele vai ver sentir que suas forças se esgotaram enquanto ele corria em círculos e que mesmo depois de tudo isso, ele não chegou em lugar nenhum além de diante de si mesmo. Ele não saiu do lugar nunca. Ele nem conseguiu que todos vissem e ouvissem seus passos apressados, sua ânsia de estar perto e de sentir junto com o outro que pulsava ali, no mundo ao lado.

Ele vai olhar pra essa cara nova que carrega, mas vai ver nela cada ruga da velhice de sua alma e vai desistir. Porque vai perceber que já correu demais e mesmo que, se a partir de agora caminhasse em passos lentos, ele não chegaria a nenhum outro lugar.

quinta-feira, julho 26, 2007

Coração deveria ter estepe. Acho que o meu está furado. Ou careca, liso e muito usado.

Faroeste

Bang!

O bandido atira e acerta. O mocinho cambaleia pra um lado e para outro, com a mão posta no coração como se pudesse com a ponta dos dedos prover a mágica de curar todo mal que faz doer.

Seus dedos são curtos, sua fé é pouca e a multidão que tudo acompanhava foi embora num estalido. Ficaram só ele, a dor e a pouca vida que aos poucos também se retirava.

quinta-feira, julho 19, 2007

A vida pára no momento em que se deixa o medo paralisar, a ponto de impedir de sonhar.

Porque o medo que não dá coragem é apenas reflexo de uma escolha mal feita.

sábado, julho 14, 2007

sexta-feira, julho 13, 2007

Mal do coração

Sentir o coração bater no peito apressado e um milhão de pequenas
borboletas serem aprisionadas no estômago. Respiração ofegante, olhos
brilhantes, boca seca, mãos úmidas, cabeça zonza. O doutor diagnostica, ou
qualquer outra pessoa que olhe – o mal desse sujeito é paixão e não há
remédio que cure – eles dirão. O enfermo suplica desesperadamente por um
antídoto e obtém a resposta, sabida, mas perigosa demais para se dizer em
alto e bom tom:

- Não há remédio que cure essa enfermidade. A febre vai aumentar, a fome
vai diminuir, as noites de sono vão ficar mais curtas, os olhos vão
ganhar um brilho lombriguento. Não há nada a se fazer. Mas para amenizar
o mal, é recomendado não esconder o agente causador , pelo contrário:
abraçá-lo, rir dele, rir com ele e aproveitar cada segundo em que os
sintomas permaneçam latejando no corpo, na mente e na alma, porque depois
que passar, se nunca mais voltar, você vai sentir falta da doença que te
faz conhecer o inferno e o paraíso, mas sobretudo, te faz sentir vivo.

terça-feira, junho 26, 2007

quinta-feira, junho 21, 2007

.

Um conto
Um ponto entrelaçado com outro ponto
Uma linha de pontos que se cruzam, se encontram e se abraçam.
E se rendem:
Nunca mais se soltarão.

Música

De repente, isso tudo ganha música, aquela, a trilha sonora que você escolheu num arquivo de milhões de outras tantas que você já ouviu na vida. Aquela que quando tocar no rádio e você estiver dirigindo, ou observando o trânsito parado pela janela do ônibus, vai te fazer sorrir e quem sabe até cantar.

terça-feira, junho 12, 2007

Pedaços de gente

E a gente vive uma vida inteira pregando os nossos valores e princípios, mesmo que vá contra tudo o que dizem, porque acreditamos neles e acreditamos que é o melhor a fazer.

Aí um belo dia a gente resolve ouvir os ruídos em volta, muitas vezes causados por aqueles que nos gostam, e decidimos mudar, porque talvez eles estejam certos mesmo, algumas coisas precisam ser deixadas pra trás, como marca da evolução na vida de um homem.

E a gente larga pela estrada migalhas e pedaços inteiros de nós.

Ali na frente, no dobrar da esquina da vida, a gente vai sentir falta do que foi abandonado no caminho. E vai entender que o que temos de mais rico pra dar pras outras pessoas é aquilo que nós somos de verdade. Sem faltar nenhum pedaço.

Quanto suportar

E a imagem fica embaçada, os olhos cheios de água e eu olho pro céu e pergunto:

Meu Deus, o que mais vou ter que sentir nessa vida pra entender a dor, quanto mais vou ter que chorar pra entender a lágrima, quanto mais eu vou ter que ser enganada pra entender o que é confiança e quanto mais eu vou ter que ficar distante pra sentir de fato o que é saudade?

Serei só eu que superlativizo meus sentimentos ou será que herdei um coração sensível demais?

As pessoas que olham por fora não percebem que a caixa dura de ossos protege um músculo mole, que bate incessantemente, incansavelmente, nessa ânsia eterna de entender, de sossegar, de apaziguar.

Serei só eu que não sei demonstrar o que sinto ou será que já aprendi que não adianta chorar em público?

sexta-feira, maio 25, 2007

Olhar perdido

Eu queria tanto achar
O olhar que se perdeu
Se não está aqui guardado
Com certeza deve ter vazado
Por uma frestinha nos olhos que se abriu

Pra não dizer que não falei de cones

Não existe vida mais monótona do que a de um cone. Ele fica lá, parado, aonde quer que o coloquem. Seja em grupo, para desviar caminhos ou simplesmente para tapar um buraco, solitário, um cone só se move com a ajuda de alguém. E isso pode acontecer voluntariamente ou acidentalmente, quando um cone é atropelado. E por que um cone é atropelado? Ora, pois. Porque ele não consegue sair do lugar em que o colocaram, nem mesmo numa situação de risco iminente.

O cone também é, de longe, um objeto indefinido. Na maioria das vezes não sabe se quer ser laranja ou branco, preto ou amarelo. Seu formato disforme complica seu armazenamento e impede que se carregue ele, fisicamente, por muito tempo. Mas a vantagem é que ele pode facilmente ser amontoado com outros cones.

Um cone não se move, minha gente! Ele está aí nesse mundo para fazer com que você dê uma volta maior para chegar aonde quer. Ou para testar sua habilidade de passar por entre muitos deles, ziguezagueando, sem atropelá-los ou tocá-los.

E não adianta, uma coisa é fato: pode brigar, esbravejar e gritar. Ele não vai sair do lugar. Não até que alguém o mova de lá.

segunda-feira, maio 21, 2007

sábado, maio 19, 2007

Viagens partilhadas

Mãos procuram apoio. Pés procuram pelo lugar certo. Corpos se tocam enquanto buscam a melhor maneira de seguir em frente. Pessoas partilham dos mesmos sentimentos quentes, úmidos. Movem-se numa dança lenta e constante, embaladas pelo som da caixa cinza. Alguns olhos se encontram, uns desviam-se, outros permanecem ali, um olhando o outro.

O corredor escuro não permite olhar a paisagem. Pode-se dormir. Pode-se ler. Pode-se brincar com os dedos ou as pontas do cabelo. Mas o melhor e o mais intrigante é olhar. Olhar a multidão de gente que divide a mesma viagem, que muda a cada estação, que entra, que sai. Gente que conta um pouco de sua história pelo pouco que leva no corpo e nos braços, em roupas e bagagens. Histórias contadas em alta voz são partilhadas com estranhos, companheiros nunca vistos. Tornam-se nossas, as levamos conosco.

Vozes que se ouvem.
Olhares que se encontram.
Mãos que se tocam.
Caminhos que se unem.

Pessoas que vem e que vão, todo dia, dia todo.

domingo, maio 13, 2007

Sobre mães e filhos

Um amontoado de gente espera por um espaço na fila para entrar na churrascaria. E na porta do restaurante chique, a cena se repete. E em muitos outros lugares. Tudo isso porque hoje é dia das mães e alguém disse que a primeira coisa que se deve fazer nesse dia é levar aquela que te pôs no mundo para uns momentos longe da cozinha e do fogão, mesmo que ela tenha que esperar até duas horas em pé embaixo do sol.

É lógico que elas amam, porque muitas vezes é uma das raras oportunidades de ver a família reunida almoçando. Filhos, netos, noras, genros, sobrinhos, marido, irmãos. Uma lista enorme de pessoas que só se encontram em datas marcadas em vermelho no calendário em cima da mesa: natal, páscoa, dia das mães.

Mas e nos outros dias? O que acontece? A sina dos dias solitários, esquecidos, abandonados? Ou a de ouvir o filho batendo a porta contrariado, o marido reclamando da comida e a nora dizendo que sogra é um presente de grego que se ganha no dia do casamento?

Família começa na mãe. Digam o que disserem, mas a verdade é esta. Só existe família a partir de uma mãe. Além de ser ela a carregar o fruto da união, a junção de características, personalidade e jeito de dois seres que se amam, é ela que mantém todos reunidos, juntos. A mãe suporta tudo pela felicidade de ver a família reunida, nem que seja por cinco minutos.

Dia das mães todo mundo lembra da dor do parto, das puxadas de orelha, dos castigos, dos ensinamentos, tudo como se fosse uma coisa bonita, fim de novela. Mas no dia-a-dia o reconhecimento, a paciência, o respeito ficam pro segundo plano.

Dia das mães pra mim é igual a tantos outros dias do ano: sinto falta da minha mãe, do cheiro dela, da risada dela, do carinho dela, da preocupação dela e dela, todinha, aqui perto de mim. E não é porque é dia das mães. É porque estar longe e ser gente grande sozinha, num mundo distante de casa me fez perceber a importância de ser mulher forte, sem perder a sensibilidade. De falar grosso pra corrigir um erro mesmo quando o coração se parte em dez por isso. É ter que escolher entre diversão e compromisso e ter que optar pelo segundo porque a responsabilidade fala mais alto. É ter que sorrir e comemorar em alguns momentos, mesmo tendo lá dentro um coração que chora agoniado de saudade, causada pela ausência de alguém. É olhar pro saldo bancário e ter que escolher pagar a conta ou comprar a roupa nova bonita.

Compreendo assim muita coisa que minha mãe passou pra eu poder chegar onde cheguei. E sei o quanto sofre e sofreu a dor da ausência, tanto quanto eu. E que ela dá tudo dela para ver a gente juntas e felizes, as três, mulheres fortes e sensíveis.

A ela todo o meu amor, dedicação, reconhecimento e acima de tudo, compreensão. Não só hoje, mas em todos os dias. Porque a data especial dela em minha vida é todo dia.

sexta-feira, maio 11, 2007

quinta-feira, maio 10, 2007

Seleção não tão natural

Apresento nova tese, ótima para processos de recrutamento e seleção:

Passo a Passo

- Marque o horário de almoço para realizar a dinâmica de grupo.
- Avise antecipadamente aos candidatos que haverá um lanche para o almoço.
- Espere todos chegarem, se acomodarem e lhes ofereça uma coxinha grande, quentinha, cheirosa e suculenta.

Observe-os comendo e pondere:

- Os que pedirem garfo e faca para a coxinha: possivelmente burocratizam os processos com instrumentos e procedimentos desnecessários para alcançar o objetivo final;
- Os que começarem a comer a coxinha pela parte do recheio: possivelmente não sabem esperar para obter a parte prazerosa, querem resultados imediatos, mesmo que sobre só massa no final;
- Os que comerem toda massa e deixarem o recheio para o final: possivelmente não sabem como fazer as partes envolvidas interagirem nem aproveitar ambas para o sucesso comum e simultâneo;
- Os que não comerem a massa: possivelmente pensam que são superiores e tem direito somente às melhores partes e tarefas, não vão realizar ações operacionais;
- Os que não comerem o recheio: possivelmente trata-se de candidato vegetariano (conferir), caso contrário, tem baixa auto-estima e sentimento de inferioridade aflorado;
- Os que não comerem a coxinha: difícil. Ou o cara tem uma causa muito profunda ou trata-se do tipo caso de frescura com estética e visual. Só vai se preocupar com imagem.

Essa idéia vai ser um sucesso. Vou patentear.

terça-feira, maio 08, 2007

Ela, ele e o silêncio

Sentaram no primeiro banco que encontraram na praça. A discussão tomara a caminhada toda e a tornara ainda mais exaustiva. Lado a lado, emudeceram entre as árvores que balançavam suavemente com a leve brisa noturna.

Ela mantinha os olhos voltados para o chão, entretidos em ver seus pés dançando sem fazer barulho, em movimento para cima e para baixo, da esquerda para a direita. Os sapatos vermelhos, com uma pequena fita entrelaçada à frente, pareciam divertidos olhados assim, dessa maneira.

Ele, com as mãos apoiadas no banco, como num sinal de quem ia levantar abruptamente, olhava para a rua, como quem espera por algo ou alguém. Seu olhar não se movia, estava fixo, parado, perdido em algum ponto da movimentada avenida ali adiante.

Já era madrugada, mas mesmo assim muitas pessoas caminhavam pelas calçadas. Logo ali ao lado, um grupo de cachorros corria de um lado a outro, como numa brincadeira de pega-pega.

Num gesto delicado, ele tirou uma das mãos do banco e buscou a dela. Os dois se olharam e ele quis falar e não conseguiu. Tentou novamente, mas de sua boca não saía nenhum som. Apenas os lábios moviam em movimentos nervosos como se percebessem sua solidão sem as palavras. Ela, buscando aliviar seu sofrimento, tentou balbuciar alguma frase carinhosa, mas percebeu que também não conseguia.

Já que as palavras os separavam, estavam condenados ao silêncio, que eternizaria sua união.

quinta-feira, maio 03, 2007

Excessos

Ter doze dedos nas mãos não faria sentido.

Ter quatro olhos tiraria o foco.

Mais de dois ouvidos me distrairia.

Quatro braços me enroscariam.

Dois corações me matariam.

quinta-feira, abril 19, 2007

Os sonhos pensados

Abriu a porta do quarto e sorrateiramente entrou. Enfiou a mão embaixo da cama e tirou de lá o potinho de sonhos, tão bem guardado.

Foi tirando seu conteúdo, um a um, olhando para todos como se fosse a primeira vez que os visse e tentando descobrir em cada um a sua razão de existir.

Percebeu que alguns estavam amarelados, outros o tempo tinha dado conta de apagar boa parte de seu histórico e uns tantos possuíam buracos feitos por pequenas traças.

Ficou pensando que a máquina que produzira todo esse material tinha que ser melhor utilizada, para não ficar gerando arquivos que só consomem espaço, mas que depois são esquecidos, abandonados, colocados de lado.

Picou, rasgou e jogou fora tudo aquilo que considerou inútil. Não guardou registro nem das belas ilustrações que alguns possuíam, nem dos versos mais poéticos e nem dos sons encantadores.

E a partir desse dia, deixou a razão controlar a máquina de fazer sonhos. E a máquina começou a render mais. Mas já não fazia desenhos coloridos. Nem poemas. E nem música.

E embaixo da cama ficou só o piso frio e vazio.

quarta-feira, abril 11, 2007

Gramde alguém

Eu fujo, me escondo e corro, na tentativa de esquecer a tua imagem. Ocupo meus dias com o trabalho e as tarefas do lar só pra ver se isso me entretém e afasta meu pensamento pra longe de você.

Mas tua presença é como a sombra do corpo, não desaparece, não some e mesmo na escuridão qualquer ponto de luz a revela.

De onde vem tanto sentimento? O que é que pode ser mais forte?

Basta um segundo com você para sentir a mesma emoção do primeiro encontro. O som que vem de ti me envolve num abraço quente, e eu volto a sentir conforto, acalento e sossego.

Quanto tempo ainda falta para eu te ver? O tempo que fico longe são como as noites infinitas dos contos árabes.

Com tuas palavras conheci um mundo novo, com o qual me identifico. Foi com elas que descobri em mim uma fonte insaciável de sentir, de escrever e de ser.

E tudo pode acabar amanhã, de uma maneira tão rápida quanto nasceu. É provável e inevitável. Mas para sempre vou levar tuas notas, teus tons, teus sons, como lembrança do divisor de águas em minha vida.

sábado, março 31, 2007

Rotações

A Terra gira um dia inteiro para que o Sol a veja em todos os seus cantos, e ele um ano inteiro para ser visto por completo.

Assim também é com a gente: é preciso que a vida dê muitas voltas para conhecermos todos os lados, todas as faces de uma pessoa.

Podemos dizer que conhecemos bem alguém quando já a vimos chorar de tristeza e por amor, rir de alegria e de nervoso, gritar de emoção e de medo. Quando ela já contou algum segredo, quando não escondeu uma cara brava e nem evitou um pedido de desculpas.

Cada um reage de uma forma frente às situações da vida. E a gente vai se descobrindo, a cada dia, a cada nova experiência, e se deixando descobrir também. Somos cheios de facetas, temos várias maneiras de agir.

Descobrimos assim, aqueles que vão ficar pra sempre na nossa vida. Aqueles que vão ver nossa vida passar por várias fases, girar, dar muitas voltas, e vão continuar ali, pacientes, esperando o ciclo completo se encerrar pra dizer, que apesar dos altos e baixos que se passaram, o que importa foi o que cresceu com toda essa transformação: a amizade.

Porque amizades verdadeiras giram juntas na ciranda da vida.

Segundos de sabedoria II

O açúcar tem que ser usado na medida certa, pois basta juntar algumas gotas de água para ele tornar-se melado.

Consultório

E a gente paga pessoas para nos dizerem que a nossa realidade não é tão colorida quanto a gente pensa e que nossos sonhos são apenas utopias e ilusões da nossa mente.


Grandes bobos que nós somos. Se nos preocupássemos tanto como as crianças com tudo isso, seríamos mais leves, mais crentes e estaríamos muito mais perto da felicidade em todos os momentos.

Sinto que andamos para trás toda vez que desconfiamos que podemos alcançar nossos objetivos.

domingo, março 11, 2007

Os donos do mundo

Não, não. O mundo não é dos educados. Se te disseram isso, te enganaram. O mundo também não é daqueles que pensam nos outros, se preocupam com o bem estar coletivo, respeitam o próximo e o ambiente onde vivem.

O mundo não é daqueles que devolvem o dinheiro encontrado em alguma pasta perdida num saguão qualquer, nem daqueles que dão a vida salvando vidas de outras gentes no meio da guerra. Nem tampouco é daqueles que dizem a verdade, são transparentes e querem a paz.

Porque se fosse, não seriam casos exclusivos e raros os de pessoas reconhecidas por seus atos de bondade. Na verdade, nem precisariam ser reconhecidos os atos, porque seriam comuns a todos. Chamaria a atenção quem fugisse à regra, quem violasse as boas normas, quem desrespeitasse um ser humano, quem magoasse e ferisse um coração.

Sairiam nas manchetes de jornais como algo extraordinário aquelas pessoas que mentiram e enganaram, que sujaram e poluíram, que fizeram pouco caso de qualquer pessoa, por qualquer motivo.

E o mundo nem mesmo é dos espertos, porque se fossem realmente espertos, eles pensariam na sua sobrevivência, já que a capacidade de pensar em si só fala muito mais alto nesses tempos modernos.

O mundo é desses aí, que fazem de tudo para acabar com todo tipo de bem estar. E não adianta discordar, porque se não fosse verdade, não seria assim. Quem manda na casa sempre faz o que quer com ela, dentro dela. Quem não manda, só assiste, e às vezes, até obedece. É o que diferencia o dono do visitante.

sábado, março 03, 2007

História de uma noite de chuva

Estou atrasada. Olho para o relógio e prevejo que nada do que havia planejado para a noite seria cumprido. Trânsito parado, chuva na janela do ônibus, o sono me ganha.

Acordo ainda em meio à grande massa de carros que se aglomera na tentativa de ganhar a liberdade, pista livre. Olho novamente o relógio, já foi. Perdi meu compromisso.

Através da janela vejo as pessoas correndo para não se molharem. Não faz frio. Alguns tentam ironicamente se proteger da chuva com carteiras e braços erguidos e esticados sobre as cabeças... Vã ilusão...

Enfim, metade do meu destino está cumprido. Preciso descer e tomar outra condução para ir pra casa. Podia ficar mais no ônibus, ir até o ponto final. Mas a chuva me chama. Noite de chuva, convite para um passeio pela minha avenida preferida, não recuso jamais. Combinação perfeita. Chego a agradecer por ter perdido o horário, talvez fosse disso que eu mais precisasse naquele dia: um momento comigo mesmo, num lugar onde me encontro.

A passos completamente vagarosos sigo o percurso que minha mente já conhece, e por isso me poupa de pensar em qual lado da rua andar, e para onde seguir. A chuva deixara de ser fina, mas isso não era um problema, e sim, um alívio.

Alívio pra alma, alívio pro coração, cansado, judiado, de tanto sentir, de tanto tentar entender. "É preciso lavar a alma", era o que ele gritava lá dentro, na sua maneira tum-tum de se expressar. Chuva lava a alma. Leva embora aquela poeira cinza que acumula, que colocam nos nossos ombros. Ele queria, eu queria, ambos estavámos de acordo com a situação.

Vários transeuntes passam. Um deles segue no mesmo passo que o meu, ao lado. Penso que talvez ele esteja querendo lavar a alma também. Seu coração deveria estar aflito por sossego assim como o meu. Pensei em travar uma conversa, mas caminhar na chuva pra aliviar as tensões é às vezes um ritual que precisa se fazer sozinho.

Buzinas, luzes, pessoas, carros, poças, risadas, cheiro de comida de boteco. Sensações. Milhares delas sentidas em uns tantos minutos de caminhada. Os olhos se enchem de tanta coisa pra ver, o coração respira outros ares, aliviado por estar sentindo novas e diferentes sensações.

Meu caminho acaba ali, na casinha arredondada de vidro. Uma vez mais antes de entrar eu olho pra trás, pra minha avenida preferida, respiro... Uma, duas, três vezes...

Adeus, eu volto, em breve.

sábado, fevereiro 24, 2007

Traições II

Entendi o ciúme como proteção, porque quando a gente gosta de verdade de alguém fecha os olhos pra realidade que está bem em nossa frente.

Entendi suas carências apenas como necessidade de carinho, quando no fundo mesmo é apenas teu egoísmo querendo tudo pra si: olhares, atenções, risos...

E agora que eu choro e preciso do teu ombro amigo, só encontro a tua risada cínica, de quem parece sentir prazer em me ver sofrer. E ainda faz esse jogo ridículo e infantil em que você me usa para ganhar ibope.

Percebi com isso que tanto você quanto eu temos um problema sério: o seu mundo é só você, meu mundo é só os outros.

E isso não dá vantagem a ninguém: são dois universos falhos e incompletos. Uma hora ou outra sentiremos necessidade da parte que falta.

Mas, pensando bem, quem tem uma desvantagem é você: quando precisar de outro alguém pra pensar em você, eu vou estar pensando em mim.

domingo, fevereiro 11, 2007

O saquinho verde e cinza

Estou juntando saudade num saquinho verde e cinza. Tô juntando tudo para que na hora certa eu não deixe passar nenhum abraço, nenhum beijo, nenhuma palavra.

A saudade é grande, mas é compacta. Por isso dá pra ir juntando tudo no bolso durante o dia, e quando a noite chega, os pedacinhos se juntam aos outros tantos de datas passadas.

O saquinho é meio verde, porque sempre guarda esperança, mas é meio cinza, porque sempre rouba um pouco do sorriso. Ele tem o tamanho certo para não estourar, cabe a medida certa para não pesar.

O saquinho nunca fica vazio: quando se vai começa a se juntar saudade do que ficou, e quando se volta, fica a saudade do que aconteceu. Ele tem um cheiro novo, com aquela velha sensação de já ter sido sentido antes.

E como saudade é uma panela grande de cozinhar sentimentos, ela não vai sozinha no saquinho.

No saquinho verde e cinza não cabe só saudade.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Lugares desconhecidos

Sentada num lugar que provavelmente não foi pensado para mim, não foi destinado para mim, eu páro e vejo o mundo passar.
Cenas do cotidiano, tão comuns aos transeuntes, me parecem cenas de outro mundo. Não me sinto à vontade, não consigo relaxar, não consigo imaginar que tudo isso é um ciclo e que faz parte da vida passarmos por todas as fases.
Desconheço o que falam. Não sinto o que sentem. Não vejo as mesmas imagens.
Sinto que não faço parte desse mundo, não me sinto parte desse lugar. Sou aquele som que distoa no meio da orquestra, aquela bola escura entre todas as claras.
Não consigo compreender porque as pessoas precisam ter embalagens. Não me conformo do conteúdo valer menos que isso. Fico chocada com o descaso aos sentimento dos outros.

Paraliso. Sinto vontade de chorar. De correr. De pular.

Às vezes essa sensação vai embora. Mas sempre que ela volta, a dor que sinto é muito mais intensa.

sábado, fevereiro 03, 2007

Segundos de sabedoria

A vida é como um eterno jogo de enfiar a mão dentro de uma caixinha e tirar a sorte do agora.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Sobre estar triste

Às vezes ele chega assim de quietinho... vai se aproximando tão devagar que você nem se dá conta de que ele está ali. Ele te mira, ele te foca, ele te filma. E de uma hora pra outra, toma conta do dia que parecia ser mais um comum, mais um sem novidade nenhuma.

Discreto, sutil, leve, silencioso... Esse tal sentimento sopra leve na nuca da gente, e a gente não entende porque carrega os ombros tão pesados depois. Ele prova do seu doce e o contamina com seu amargo, ele vigia o seu sono pra te acordar no meio da noite...

Num susto. Num furto. Num pulo.

E o coração dispara e não há o que faça parar mais. Parece que cada curva, cada esquina, cada porta que se abre vai trazer aquilo que parece ter sido previsto em algum instante que você não reconhece. Um coração que cansa, de tanto que bate, agoniado pela espera daquilo que ele não sabe o que é e nem se vai acontecer.

Traz consigo uma aflição que só o vento acalenta, que só a chuva limpa, que só aquela lágrima escondida no canto do olho liberta.

Uma sensação de ter o coração preso nas grandes mãos de um gigante. Sufoco que não passa, cura que falta, sentimento que sobra. Tranborda.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Ser

Ser maluco não tem crédito. Ser desprovido de ambições é tolo. Ser engraçado é não levar a sério. Ser desencanado é descomprometido.

Ser doce é bobo. Ser gentil é capacho. Ser simpático é oferecido. Ser falante é exibido.

Ser quieto é sem graça. Ser poeta é doloroso. Ser correto é careta. Ser rebelde é transgressor.

Ser independente é egoísta. Ser maduro é sério. Ser curioso é indiscreto. Ser reservado é individualista.

Ser transparente faz doer. Ser responsável é chato. Ser disciplinado é cansativo. Ser realista é duro. Ser triste é enfadonho. Ser feliz é exagero.

Mas todos somos.

Uma multidão de seres. Uma multidão de ser.

Quem somos?

Quem seremos?

Quem queremos ser?

Somados somos seres completos.